Das noites que não dormi
Quando foi preciso estivemos lá. Firmes e fortes sempre prontos para ajudar, assim como sempre havia sido assim como sempre seria. Nunca teriam dito que as coisas mudariam, que os ventos trocariam de direção. Entretanto fomos enganados pela beleza de suas faces, dos milhares de rostos que sorriam ao nosso redor, e quando dei por mim mesmo já era tarde para acordar os outros; o sono traiçoeiro já os alimentava a mente com doces e prazeres. Tudo aquilo que eles juraram nunca fazer estava sendo realizado bem diante dos meus olhos turvos e enevoados, bem podia estar quem sabe delirando em alguma outra armadinha feita por mãos nas quais confiamos e protegemos. O gosto que veio na boca era amargamente forte e por alguns minutos estive prestes a vomitar, tamanha era a náusea que causara. As pernas tremiam e os braços perdiam a força no mesmo momento em que eu me apoiava nas paredes frias, tentando sem sucesso sair daquele lugar fúnebre onde meus amigos pereciam. Mas ainda me lembro daqueles olhos, e jamais eu ei de esquecer-los. Olhos vermelhos, sedentos por sangue, meu sangue. Olhos falsos e sem remorso algum, que se necessário matariam-me a sangue frio sem nem ao menos pestanejar. Olhos sem misericórdia, nem compaixão, olhos que poderiam até mesmo agora jurar à mim que iriam me ajudar antes de cravar lentamente uma adaga fria e afiada logo abaixo das costelas. E eu cairia nas mentiras mais uma vez, se não fosse a lembrança da captura, quando pegaram um a um de nós sob a face desmascarada de cada um dos quais nós confiamos. Essa noite não pude dormir, não consegui dormir. Aqueles olhos eram faróis que perseguiam cada movimento meu e iluminavam com raiva e ódio, alimentando minha fúria de cativo.
Todos eles faziam hoje o que no ontem haviam condenado, afinal palavras são só palavras, nascem no presente para morrer no passado, a memória se esvai conforme os anos passam e vamos abrindo caminho para que as serpentes malignas nos envolvam de tal maneira que só sairíamos sem ossos. Todavia serviu para que aprendêssemos que a confiança é uma abertura grande demais, abrindo a guarda de coisas que no fundo sabíamos que devia ser temido. Hoje mais uma vez não durmo, pois quando fechar os olhos sei que ainda verei aqueles olhos, olhos vermelhos que clamam pelo resquício de vida que ainda sobrou em mim, então não posso fazer com que isso seja assim tão fácil como desejam e mais uma noite sei que vou ver o sol nascer mais uma vez...