segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Série: O Quarto Onde o Dia Nunca Nasceu

O Quarto Onde o Dia Nunca Nasceu
Parte 1 de 2

Quando escolhi esse cômodo, nunca imaginei que ele se tornaria tão frio, tão escuro e por vezes tão sinistro. Não fazia idéia de que o sol não reinava aqui e que as sombras já haviam tomado conta dele muito antes de eu chegar, e não sabendo de nada disso eu o escolhi. Eu, o escolhi. Foi assim que as coisas aconteceram, foi assim que tudo do que me lembro aconteceu e aconteceu aqui neste quarto. Já troquei as coisas de lugar movendo tudo o que podia para um lado e para o outro, sempre tentando encontrar a melhor maneira de me acomodar, uma vez quase pintei as paredes com desenhos em giz de cera, já tive os mais diversos quadros e até adereços no teto. Já vivi muito aqui. Do que me lembro foram dez anos de vida que se passaram desde que cheguei, e em nenhuma vez, nem a lua nem o sol vieram me visitar... Houve uma vez que pensei que pudesse ser o sol, e quando pela janela (ah a janela...) olhei vi que era apenas o reflexo de seus raios que batiam no edificio lá adiante do outro lado da rua. Quem normalmente vem me acolher é o crepusculo, o entardecer. Sempre sombrio e calmo, respirando do seu vento que tudo acalma e que faz com que minha alma fique tão inquieta que sinto-a estremecer me pedindo algo que não sei o que é. O deprecivo cair da noite, quando as luzes se apagam e os postes ascendem suas lampadas mais deprimentes ainda, que com seu brilho triste iluminam a rua em tom de melancolia.
Tudo isso e mais um pouco, vi do meu quarto, de minha janela. Anos passaram e a paisagem pouco se modificou, mas aquele garoto lá vivia cresceu sempre com seus sonhos voando alto pelo céu que pudera ver dali onde estava. Quantas histórias já aconteceram, quantas pessoas já não estiveram aqui, e quantos sentimentos alegrias e tristesas... Nossa, foram dez anos afinal. Dez anos em que muitos e muitos amigos passaram por aqui, muitas pessoas que daqui eu conheci. Só essas paredes sabem de tudo o que houve, pois nelas estão as marcas de cada fato de cada acontecimento. As lagrímas que caíram, os gritos que ecoaram, as verdades que foram lançadas ao ar, os desabafos suspirados e as brincadeiras que ressoaram com o riso. Tantas e tantas memórias... Hoje todas elas estão perdidas pelas sombras que aqui ficaram, pois a solitão fria volta a sua casa e repousa ao meu lado, nua e bela sob o reflexo da noite. Seu abraço gélido me faz suspirar e expõe meu verdadeiro eu de modo que não tenho como não deixar-me possuir, porque ela e somente ela sabe o quão dócil e fraco sou. As forças que um dia tive para aguentar as vezes que ela me chamava, agora já estão longe demais para que eu possa pensar em não ter sua companhia. Sinto o seu corpo me abraçar, me confortar e faz delirar em loucura viva e profunda nos parapeitos da mente, onde ameaço cair no mais puro lago de insanidade. Meus pensamentos fantaseiam um mundo no qual eu sei não existir, mas que sempre sinto já ter vivido, como um salto temporal onde existia aquilo que me acalmava e deixava com que a alma descançasse. Não entendo esse mundo, essa realidade.
Dos passos que dou em vão pela casa toda com o pensamento longe tentando encontrar um motivo, um alguém ou qualquer coisa que me faça estar satisfeito, pois não sei mais o que faço com essa vontade louca, com essa saudade de algo que eu nunca vi; desses passos não tiro nada, nenhuma conclusão. Apenas vejo minhas lembranças estampadas nas paredes da casa me lembrando que não voltaram, e que a vida fui deixando para trás sem piedade nem responsabilidade, muito menos coragem para proferir as palavras que marcariam elas não só em mim, mas em quem me acompanhava. Queria que pudessem sentir o mesmo, essa fervura no peito que faz com que me dê o desejo de relembrarmos juntos esses tempos e por eles viver mais e mais....

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