A Lótus da Loucura
A Garota do Leopardo
parte final
Seu olhar desceu de encontro com sua pata que mergulhava lentavamente no sangue, e estremeceu mais uma vez. Jamais iria correr sob a luz da lua com ela ao seu lado, e das manhãs que acordava com a leveza das patas de sua amada, nada disso teria um amanhã. Para ele nunca mais haveria amanhã, tudo seria uma noite gélida e interminavel, onde a única opção seria acomodar-se das sombras da solidão e tristesa para sempre e sempre. Mas em meio ao seu Desespero Circular, algo quebrou aquela atmosfera tenebrosa, era o toca carinhoso da pata de outro felino que viera até ali para vê-lo. A "leorpada" encostava sua pata levemente sobre a dele e procurava a atenção de seus olhos. A lucidez voltara com aquele toque quente sobre sua pele fria e úmida, e o fez levantar a cabeça de modo a encarar a fêmea em sua frente da mesma maneira que um filhote olha para a mãe em busca de proteção. Ela movimentou a cabeça como se o chamasse e intuitivamente ele retribui caminhando com ela para longe dali, embora que antes de se distanciar tenha olhado uma última vez para trás, para sua amada que ali jazia para todo o sempre. Mas as lágrimas do Rei não poderiam ser expostas dessa maneira e ele as engoliu amargas como nunca mais iria engolir. Sentiu-as rasgarem tudo por onde passaram como se fossem suas próprias garras o golpeando e fechou os olhos para que em sua mente se despedir da Rainha.
O caminho incerto que aquela "leoparda" o levava parecia tão familiar embora nunca tivesse ido tão longe em sua vida. Um lugar onde as estrelas brilhavam mesmo com o amanhecer do dia e a brisa soprava fraca, apenas refrescando o ambiente. Milhões de perguntas bombardeavam sua mente e de repente sem mais aguentar, teve de perguntar "quem é você afinal?". A resposta foi o que mais lhe surpreendeu, pois a doce voz da fêmea lhe disse no mais sereno timbre "Sou a mensageira que lhe mostrará a verdade, apenas confie em mim". Ao terminar a frase virou as costas e continuou a caminhar pelo campo que se abria à sua frente. Depois de muito caminhar, quando o sol já estava alto no céu, finalmente ela parou e indicou com a cabeça uma pequena caverna ao pé da montanha. Sem fraquejar o leão pode sentir o espiríto trepidar e sentiu que a verdade na qual ele inconscientemente sempre buscou estava ao seu alcance. Entrou e correu pela rampa de pedra que levava ao topo da montanha; a "leoparda" o seguia correndo da mesma maneira e conforme eles iam correndo naquela rampa circular a luz do sol ia penetrando pelas imperfeições da rocha e iluminava tudo lá dentro. Sua mente começou a clarear, os pensamentos não eram mais nuvens de dúvidas e flashs de memórias iam surgindo em sua mente como flores no campo. A lucidez ia chegando a cada imagem que aparecia na frente dos seus olhos e o corpo já movia-se sozinho, como se tivesse vontade própria!
Até que chegou ao topo da montanha, o fim da rampa revelara uma paisagem indescritível onde podia-se ver toda a floresta e mais além! Foi quando mesmo que deslumbrado com a visão que tinha, podendo enxergar de cima tudo aquilo que um dia foi seu reino, ele sentiu um toque macio em seu braço e sem pensa pós gentilmente a mão no local no qual tinham o tocado. Assim encontrou a mão da "leoparda", mas percebeu que não era uma pata e sim, de fato, uma mão, uma mão humana. Antes que pudesse se surpreender a doce voz acalmou-lhe os ouvidos "Esses somos nós em vidas antes das nossas, onde o mundo inteiro era nosso reino e governavamos tudo daqui. Da nossa queriada Avalon... Consegues te lembrar?". Sem ao menos pensar e sendo surpreendido por si mesmo ele respondeu: "Sim, lembro de nós, desse mar brilhante e de toda a vida que aflora pelos campos quando as fogueiras são acesas. Como poderia simplesmente esquecer de quem realmente sou e de onde é meu lar... Como esquecer de você...".
Quando a noite começara a cair sob a floresta, os felinos desceram da montanha e sairam da caverna. O Rei estava de volta, estava renovado e agora sabia de toda a verdade que havia no mundo. Nada poderia deter o desejo da realeza em voltar para sua terra, seu lar. Embora ele soubesse que não iria conseguir levá-la junto de si, tinha a certeza e a determinação de voltar para buscá-la. E assim o sonho nasceu mais uma vez, uma outra vez. Da morte onde seu animal não conseguiu viver até onde sua alma pode correr... Assim vive o Rei de Avalon, que hoje perece entre as Pétalas da Lótus...
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